Beatriz: Um Processo de Libertação
A Jornada de Superação da Ansiedade e o Reencontro com a Alegria de Viver
Quando o Estigma Silencia o Sofrimento
Beatriz, como muitas pessoas que enfrentam problemas de saúde mental, cresceu ouvindo que a ansiedade e a depressão eram "invenções" de quem não tinha problemas reais. Este estigma, muitas vezes perpetuado por familiares e amigos próximos, criou nela uma dúvida constante sobre a legitimidade do seu próprio sofrimento.
"Ouvi muitas vezes as pessoas a dizer, até familiares, que só tem este tipo de problemas quem tem tempo... Quem não tem mais nada que fazer na vida e só se preocupa com coisas mínimas... Que isso é tudo 'fantochada', que nem existe... E foram sempre coisas que me fizeram duvidar de mim própria, a certa altura."
Esta desvalorização do sofrimento psicológico levou Beatriz a questionar-se constantemente, a minimizar os seus sentimentos e a sentir vergonha por estar a sofrer quando, aparentemente, "tinha tudo". A culpa por sentir-se mal quando outros poderiam estar em situações piores apenas agravou o seu estado emocional, criando um ciclo vicioso de sofrimento e autocrítica.
Os Primeiros Sinais: Uma Jornada que Começou na Adolescência
Os problemas de Beatriz começaram cedo, por volta dos 12 anos, quando teve o que descreve como uma "crise de raiva" em casa. Este episódio levou-a à sua primeira experiência com um psicólogo, embora na época não compreendesse completamente o que estava a acontecer.
Após aproximadamente um ano de terapia, Beatriz interrompeu o tratamento, acreditando que estava bem e que não precisava de mais ajuda. No entanto, cerca de um ano depois, com quase 14 anos, ela vivenciou o que seria o início de uma longa batalha com a ansiedade.
"Foi quando tudo começou, numa noite em que eu não estava em casa. Tinha dormido fora e senti-me muito mal. Comecei com muitas dores de barriga e tremia muito. Eu não sabia o que era, mas como já tinha visto o meu irmão... Mais ou menos calculei que talvez fosse um ataque de ansiedade e então... Não consegui controlar. E tive momentos muito difíceis naquela noite."
Este primeiro ataque de ansiedade marcou o início de um período de restrições autoimposta. Beatriz começou a evitar situações que a afastassem de casa: dormir fora, sair à noite, ir a festas de aniversário – qualquer atividade que envolvesse não estar no seu ambiente seguro tornou-se uma fonte de ansiedade intensa.
O Agravamento: Quando a Ansiedade Limita a Vida
Com o passar dos anos, a condição de Beatriz piorou progressivamente. Aproximadamente dois a três anos antes de procurar ajuda na Clínica da Mente, ela começou a enfrentar dificuldades até mesmo para ir à escola, um ambiente que antes era familiar e seguro.
"Cada vez pior, eu já quase nem conseguia ir à escola porque ficava super nervosa. Só me apetecia vomitar, tremia muito..."
A situação atingiu o seu ponto crítico durante a primeira quarentena da pandemia de COVID-19. O confinamento, que para muitos foi um desafio temporário, para Beatriz representou a confirmação dos seus maiores medos: a ideia de que nunca mais sairia de casa.
Durante este período, ela desenvolveu uma relação problemática com a comida, usando-a como refúgio emocional, o que resultou num ganho de 12 quilos. As noites eram passadas em lágrimas, olhando pela janela e imaginando um futuro permanentemente confinado entre as paredes da sua casa.
As Raízes da Ansiedade: Sensibilidade e Silêncio
Refletindo sobre as origens da sua ansiedade, Beatriz identifica a sua sensibilidade elevada e tendência para internalizar as emoções como fatores contribuintes significativos. Ela descreve-se como alguém que sempre foi muito atenta aos detalhes e facilmente magoada pelas interações sociais, mas que raramente expressava esses sentimentos.
"Este problema também surgiu da minha... De eu ser muito atenta às coisas e tudo me magoava. Eu guardava tudo para mim. Não sou uma pessoa muito aberta, nunca contava nada. A minha mãe sabia que eu tinha ansiedade, que me sentia assim... Mas não sabia o porquê. Porque eu guardava tudo e não gostava de falar."
Esta tendência para guardar as emoções, combinada com experiências de rejeição social, levou Beatriz a desenvolver uma desconfiança generalizada das pessoas. Ela começou a evitar aproximações e a criar barreiras emocionais, temendo sempre ser magoada ou rejeitada novamente.
A Máscara Social: Duas Versões de Si Mesma
Um dos aspectos mais interessantes da história de Beatriz é a dualidade que ela mantinha entre a sua vida interior e a sua apresentação social. Enquanto internamente lutava com ansiedade intensa e pensamentos negativos, externamente projetava uma imagem de alegria e disponibilidade para ajudar os outros.
"Eu na escola mostrava ser uma pessoa completamente diferente. E então nunca lhes passou pela cabeça que quando eu dizia que não podia ir, era pela razão que verdadeiramente era. Eles pensavam sempre outra coisa, pelas desculpas que eu dava, porque... Eu na escola de certa forma punha uma máscara. Era aquela menina sempre alegre, que dava sempre conselhos aos outros, ajudava toda a gente."
Esta máscara social era tão convincente que, quando eventualmente os seus amigos descobriram sobre a sua luta com a ansiedade, a reação foi de incredulidade. Ninguém conseguia associar a Beatriz sempre sorridente e prestativa com alguém que estivesse a sofrer profundamente por dentro.
Esta disparidade entre o eu interior e o eu social é comum em pessoas com ansiedade e depressão, que muitas vezes desenvolvem mecanismos elaborados para esconder o seu sofrimento, temendo ser julgadas ou vistas como "coitadinhas".
Um Futuro Limitado: A Visão Estreita da Ansiedade
A ansiedade não afetava apenas o presente de Beatriz, mas também a forma como ela imaginava o seu futuro. As limitações que sentia no dia a dia projetavam-se nas suas expectativas para a vida adulta, especialmente em relação à educação superior.
"Para mim não havia futuro. Era como se eu fosse ficar assim para sempre e nunca conseguisse fazer nada... Por isso é que eu disse no início que entrar para a universidade era uma grande conquista para mim porque... Para mim, pensar em ir para a universidade era impossível. Ou tinha que ser perto de casa e tinha que vir para casa todos os dias e não passava de ir à universidade e voltar para casa... Ou então não podia ir."
Esta visão restrita do futuro é uma das consequências mais debilitantes da ansiedade crónica, limitando as escolhas de vida e as oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Para Beatriz, a ideia de frequentar uma universidade longe de casa parecia completamente fora de alcance, uma barreira que parecia intransponível.
O Encontro com a Clínica da Mente: O Início da Transformação
A jornada de recuperação de Beatriz começou quando, após o alívio das restrições da pandemia, a sua mãe sugeriu procurar ajuda na Clínica da Mente. Apesar de todas as experiências negativas anteriores, Beatriz estava determinada a melhorar e disposta a tentar qualquer coisa que pudesse ajudá-la.
"Quando a minha mãe disse: 'Não sei, vamos tentar. Vamos para a Clínica da Mente. Achas que é uma boa ideia? Queres ir?' E eu... Claro que queria. O que eu queria era ficar bem e... Disse que fazia tudo o que pudesse e que queria muito."
Logo na primeira consulta, Beatriz experimentou algo que nunca tinha sentido antes: a liberdade de falar abertamente sobre tudo o que estava a sentir, sem julgamentos ou minimizações. Esta experiência de ser verdadeiramente ouvida e compreendida foi profundamente libertadora para alguém que sempre tinha guardado os seus sentimentos.
A sensação de alívio foi imediata, mesmo antes de iniciar formalmente o tratamento. Beatriz sentiu que tinha encontrado um espaço seguro onde podia ser autêntica e vulnerável, sem medo de ser julgada ou incompreendida.
O Processo Terapêutico: Ceticismo Inicial e Descobertas Surpreendentes
Como muitas pessoas que iniciam um novo tipo de terapia, Beatriz começou o tratamento com a Psicoterapia HBM com uma mistura de esperança e ceticismo. Os métodos pareciam-lhe estranhos inicialmente, e ela questionava-se como aquelas técnicas poderiam ajudá-la a superar problemas tão profundamente enraizados.
"A primeira vez eu pensei... 'Mas o que é que isto me vai fazer?' Eu não percebi, achava... 'Não, isto é...' Não digo que é ridículo, mas era tão estranho que eu pensava... 'Como é que isto me vai ajudar?' Mas ao mesmo tempo pensei... 'Vou acreditar no processo. Vamos vendo...'"
Esta atitude de abertura, mesmo diante do ceticismo, foi crucial para o sucesso do tratamento. Beatriz, com seu background em ciências, decidiu adotar uma abordagem experimental: dar uma chance ao processo e avaliar os resultados no final.
Para sua surpresa, as técnicas começaram a mostrar resultados. Embora nem sempre conseguisse explicar exatamente como ou por que estava a melhorar, a mudança era inegável. "Ao longo das consultas eu pensei, eu até punha-me a pensar... 'Como é que isto, o que eu fiz, me ajudou?' Mas realmente ajudou."
Altos e Baixos: A Natureza Não Linear da Recuperação
O caminho de Beatriz para a recuperação não foi linear. Houve consultas difíceis, momentos em que teve que confrontar memórias dolorosas e sentimentos que tinha suprimido por anos. Estes momentos deixavam-na emocionalmente vulnerável, mas nunca a fizeram perder a esperança.
"Claro que houve consultas em que me senti mal porque tinha de puxar ali os pontos piores. E isso deixou-me muito frágil... Mas mesmo assim, nunca perdi a esperança e foi sempre o que a doutora me disse: 'Nós estamos a tratar, há sempre altos e baixos. E há dias em que podes voltar para trás, mas não percas a esperança nesses dias porque melhores virão. É isso mesmo, faz parte do processo.'"
Esta compreensão de que a recuperação não é um processo linear, mas sim uma jornada com altos e baixos, foi fundamental para que Beatriz mantivesse a motivação mesmo nos momentos mais difíceis. A normalização destes retrocessos temporários como parte natural do processo de cura ajudou-a a não se desesperar quando enfrentava dias mais desafiadores.
A Mensagem de Esperança: Não Há Vergonha em Pedir Ajuda
Uma das lições mais importantes que Beatriz aprendeu durante o seu processo de recuperação foi que não há vergonha em reconhecer que se está a sofrer e em procurar ajuda. Esta é uma mensagem que ela agora partilha com paixão, especialmente para aqueles que, como ela, podem estar a sofrer em silêncio.
"Porque não há mal nenhum em termos isto. Da mesma maneira que eu tenho isto, outras pessoas estão a passar por outras dificuldades. Nós não podemos ter medo de pedir ajuda porque... Porque realmente, eu falo por mim, eu não queria viver assim. Nós só temos uma vida. Se não aproveitarmos a que temos, ninguém nos vai dar outra."
Beatriz enfatiza a importância de lutar pelo que queremos e nunca perder a esperança, lembrando que há sempre uma solução para os problemas que enfrentamos. Esta perspectiva, de que a vida é preciosa e merece ser vivida plenamente, tornou-se o seu novo mantra, substituindo os pensamentos limitantes que antes dominavam a sua mente.
Os Primeiros Sinais de Mudança: Redescobrir a Alegria
Embora Beatriz não consiga identificar um momento exato em que começou a sentir-se melhor, ela lembra-se de ter notado gradualmente mudanças significativas no seu estado emocional e na sua atitude perante a vida.
"Não sei bem, não sei exatamente quando, mas sei que comecei... A sentir-me talvez, posso dizer, mais feliz. Não estava tão preocupada com tudo... Parecia que estava uma pessoa muito mais bem-disposta, mais ativa outra vez, já... Já fazia as coisas normalmente. Já não me sentia tão sombria, tão triste."
Um dos indicadores mais claros de progresso foi a mudança no seu foco de atenção. Em vez de estar constantemente preocupada com pequenos detalhes e com o que os outros pensavam dela, Beatriz começou a concentrar-se mais em si mesma e no seu bem-estar. Esta mudança de perspectiva foi libertadora, permitindo-lhe viver com mais leveza e autenticidade.
Antes e Depois: Uma Transformação Profunda
Quando reflete sobre a sua jornada, Beatriz descreve duas versões completamente diferentes de si mesma: a Beatriz antes do tratamento e a Beatriz depois do tratamento.
"A Beatriz antes do tratamento... Era uma Beatriz que quase nunca soltava um sorriso, por exemplo. Mesmo antes de vir para aqui, foi a pior versão que conheci de mim. E... Quase não soltava um sorriso... Andava na rua porque tinha que andar, levantava-me da cama porque tinha que me levantar... Falava com as pessoas porque tinha mesmo que falar porque... Se pudesse, ficava fechada no meu quarto e não falava com ninguém."
Esta versão anterior de si mesma estava apenas a existir, não a viver. Cada ação era realizada por obrigação, sem prazer ou propósito. A vida tinha-se tornado uma série de tarefas a serem cumpridas, sem qualquer alegria ou significado.
Em contraste, a Beatriz após o tratamento é descrita como alguém que abraça a vida com entusiasmo e alegria:
"A Beatriz depois do tratamento... É uma Beatriz que está sempre na 'risota' com os colegas. Uma Beatriz que se tiver que ir para uma festa, convidem-me que eu vou. Uma Beatriz que quer aproveitar a vida. E quer viver um dia de cada vez e... E aproveitar ao máximo. E uma Beatriz feliz, posso dizer assim também."
Esta transformação não é apenas uma mudança de comportamento, mas uma mudança fundamental na forma como Beatriz se vê a si mesma e ao mundo à sua volta. A jovem que antes vivia limitada pelo medo e pela ansiedade agora abraça novas experiências e encontra alegria nas interações sociais que antes evitava.
O Significado da Recuperação: Mais do que Ausência de Sintomas
Para Beatriz, a recuperação não significa apenas a ausência de ansiedade ou a capacidade de realizar atividades que antes evitava. É uma transformação mais profunda que envolve uma nova relação consigo mesma e com a vida.
Ela redescobriu a sua capacidade de sorrir genuinamente, de conectar-se com os outros, de encontrar prazer nas pequenas coisas do dia a dia. A vida deixou de ser uma série de obstáculos a serem superados e tornou-se uma jornada a ser apreciada, um dia de cada vez.
Talvez o aspecto mais significativo da sua recuperação seja a liberdade – liberdade do medo constante, liberdade das limitações autoimposta, liberdade para ser autenticamente ela mesma, com todas as suas complexidades e vulnerabilidades.
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Saber Mais Sobre Tratamentos para AnsiedadeVeja o Testemunho Completo
Assista ao vídeo completo do testemunho da Beatriz na série "Eu Dou a Cara" da Clínica da Mente: