"Todos estamos a perder e a ser obrigados a fazer o luto das coisas que perdemos"​

Desabafos de uma psicoterapeuta em Quarentena | Dia 14

Perda é a palavra que mais ouço nas últimas semanas. Perda dos mercados, de rendimentos, de relações, dos contactos, de rotinas, hábitos. Todos estamos a perder. O que me fez pensar que estamos a ser obrigados a fazer o luto dessas coisas que perdemos. E quando penso em luto, lembro-me logo de Elisabeth Kübler-Ross, Psiquiatra suíça do séc. passado que desenhou um modelo do luto, em que dividia este processo em 5 estádios que eu creio aplicar-se à nossa situação. Ora vejam lá:

1º Negação: “Tudo está bem, Tudo pode ficar igual. Os outros que mudem, eu não preciso, eu tomo cuidado, os outros é que não…”

2º Raiva: Para com o patrão que me obrigou a ir de férias; Para com o vizinho de baixo que teima em fazer exercício às 7h da manhã; Revolta para com a DGS que não testa mais pessoas; para com o governo que devia ter fechado tudo mais cedo; “Ai se eu mandasse….”

3º Negociação: Desde nascença que negociamos tudo, tentando conseguir aquilo que queremos. “Se só posso sair para compras essenciais, sempre que me faltar o leite, posso sair de casa para comprar”; “Se os passeios higiénicos são permitidos, tenho todo o direito de caminhar quanto tempo quiser”.

4º Depressão: “Tudo isto é uma tristeza, está tudo parado.” “A minha cidade parece fantasma”; “Se calhar já não fomos a tempo”; “A maldita curva, pá… apetece-me ir ali ao gráfico e achatá-la com as minhas próprias mãos”; “Não consigo ver o fim para isto tudo”; “Nada vai voltar a ser o que era”; “Se calhar já não nada vale a pena”.

5º Aceitação: “Isto não está fácil”; “Já chorei quando fiz as contas aos cortes salariais”; “Hoje de manhã soube que a minha melhor amiga está infectada e fui-me abaixo”; “Eu posso sentir tudo isto, pois tudo isto é normal e tudo isto está certo e congruente com a minha realidade”; “Todos os dias levanto-me com a certeza que estou a dar o meu melhor e que não sei fazer melhor. Se vou errar? Provavelmente, mas vou continuar a dar o meu melhor, não sei fazer de outra maneira”. Quando aceito a minha situação, liberto-me de expectativas e sinto-me mais serena/o, paciente comigo e com os outros. Sinto-me menos associado/a à situação de crise e logo evidencio menos stress. A minha preocupação, os meus medos e inseguranças diminuem.

E vocês identificaram-se com algo?  Em que estádio é que estão?