Ansiedade na infertilidade

Drª Isabel Gomes

Antes de tudo, antes da consciência da infertilidade, há o desejo da maternidade. É esse desejo que, quando frustrado ao longo do tempo, conduz à Ansiedade.
Ser mãe começa bem antes de o ser. Um papel que reconhecemos na nossa mãe, nas outras mulheres e que, por modelo e repetição, se vai definindo, e de tão normal é esperado.

Era uma vez uma mamã...

Na mulher há um tempo para procriar. Um tempo que hoje começa a contar mais tarde. É um tempo em contrarrelógio, e, portanto, um tempo com mais pressa.

Começam as contas, três dias, mês após mês. E mês após mês, a resposta vem negativa. Renovam-se esperanças, testam-se mitos, mas nada. Percebe-se a ilusão do controlo, que se desilude em limitação. E nessa consciência, a dor! As perguntas “para quando?”, que sempre pareceram naturais, incomodam, porque pressionam para um resultado que agora não se sabe se irá acontecer. Fragilizam porque fazem a mulher sentir-se diferente das outras, porque se sente a falhar nas expectativas sociais. Há que procurar outros caminhos, menos naturais…

A procriação medicamente assistida apresenta-se como a única solução. Vêm as consultas, as análises, os exames invasivos, uma exposição de dentro e de fora, o medo de ouvir que não é possível.

Há esperança, avança-se…

Estimulação ovariana com medicação. Resultado – negativo.

Inseminação artificial. Indução da ovulação com injeções. Monitorizações. Exame. Resultado – negativo.

O caminho vai ficando mais estreito, os meses avançam rapidamente, porque o corpo precisa de descansar entre tentativas. Cada vez mais intenso o sentimento de perda, perda da fertilidade, perda da experiência da gravidez, perda daquela criança, perda da continuidade genética, … Cada vez mais falhas, cada vez mais o medo de falhar. E no medo, a ansiedade. Sabe-se que a alteração os estados emocionais, como a ansiedade e a depressão, implicam alterações hormonais. O que, por sua vez, envolve irregularidades do ciclo menstrual, na inibição da ovulação, na alteração do ph vaginal, no aumento de adrenalina – aumenta a tensão corporal e a produção de oxitocina -, e tudo isto, conduz a alterações na fecundação e na implementação. E o medo de sentir ansiedade, só gera mais ansiedade.

Há esperança, continua-se…

Fertilização in vitro (FIV). Indução da ovulação com mais injeções. Monitorizações. Sedação. Punção para recolha de ovócitos. 3 dias. Transferência do embrião (ou dos embriões). Repouso. 10 dias de expectativas. Análises. Resultado… negativo!

Dói por ser mais uma vez, dói porque o tratamento custou, dói porque é preciso encarar o outro naquela expressão. Dói porque não há muitos mais caminhos e cada vez menos tempo.

Pelo menos dois anos terão passado desde a primeira consulta. Quanto mais tempo? Quantos mais tratamentos? E se não for possível?

 

O que fazer? Que atitude ter perante a dificuldade em engravidar?

Como sociedade, podemos refletir sobre o tempo, cada vez mais tardio, em que hoje as mulheres se sentem preparadas para engravidar. A dificuldade de ter um emprego estável; gozar da liberdade e independência financeira; investir na carreira; relações sérias mais tarde; entre outros exemplos que se poderiam dar. Bastava um, mas a maior parte das vezes misturam-se. Uma sociedade que vai valorizando outras coisas, não deixando de valorizar a maternidade/paternidade. Misturam-se interesses, sempre na tentativa de conciliar tudo. É possível? O que fazer?

Como mulher, o tempo da maternidade aparece naturalmente. Não se reuniram as condições antes. Ainda assim, quando a dificuldade se prolonga, há, muitas vezes, um sentimento de culpa. Ao olhar para trás, há um achar que poderia ter sido diferente, ou mais cedo, um olhar pesado sobre esta condição de infértil.
Um estado de conflito interior, porque se percebe que o corpo está limitado, porque há um bloqueio ao sonho… Um sonho tão primário e animal, que é o da “pro-criação”, que nos faz continuar a existir, e por isso, continuar a insistir em sonhar.

Vive-se a vulnerabilidade, o medo da incompreensão, a revolta. Tantas as emoções que não se aceitam, não se partilham e não se “trabalham”. Mas que trabalha em nós. Perturba. A ajuda para lidar com o desequilíbrio emocional é fundamental, que consoante a gravidade pode ser o apoio emocional de alguém próximo, ou de um psicoterapeuta. Um trabalho de olhar para dentro. Encontrar a naturalidade na expressão do medo e da dor e também nesta dificuldade. Libertar a mente destes estados ansiosos ajuda a que o corpo se liberte desta tensão e possa trabalhar para o que está preparado. Quem não conhece um exemplo de gravidez, num historial de infertilidade, quando já disso tinha desistido. Será coincidência ou, como alguém escreveu, “o segredo para engravidar é parar de tentar”?

No entanto, o processo reprodutivo é mais complexo do que se pensa à partida. Apenas 16.6% das relações sexuais, em período ovulatório, de casais normais, resulta em gestação. Além disso, 15 a 20%, em Portugal, dos casais em idade reprodutiva sofrem de infertilidade.

Cada caso é um caso, há muitas causas e, por vezes, não se encontra causa nenhuma. Estar consciente da sua realidade é fundamental para que não se construam castelos no ar, mas se ainda houver caminhos novos, então porque não ter esperança? Não dá para se (re)começar qualquer tratamento sem esperança, pois a dor só faz sentido quando nos pode levar à alegria da realização. Mas também há um tempo de parar. Há casais muito persistentes e mulheres muito fortes, mas é importante ter um limite definido para o tratamento, razoável para o corpo e para a mente. Em que chegado a esse tempo se têm de calar as dúvidas sobre se ter feito tudo para conseguir, pois a verdade é que não se pode fazer tudo, apenas tudo o que cada uma é capaz. Até onde se aguenta saudavelmente, aceitando o cansaço, para poder descansar.

E aí sim, vem a paz e a acalmia. Volta a haver disponibilidade para sonhar outros sonhos, perceber o que faz sentido. Redefinir o seu caminho. Viver a dois? Optar pela adoção? Dedicar-se a outros interesses? E agora não são planos B, o menos mau, não. Agora são os planos A, um novo começo, em que cada uma volta a saber que “sou eu (e mais ninguém) a responsável pela minha felicidade, por descobrir o meu caminho”.