Alegres "só porque sim",
como as crianças

Dra. Isabel Gomes

Pensamos, muitas vezes, na vida como um tempo de aprendizagem. Mas quando de alegria se trata, inquieto-me a pensar porque desaprendemos.

Pedro tem cinco anos, é sorridente, mexe-se a cada pequeno pretexto, como se a energia não soubesse para onde ir. Para falar usa as mãos, mas também os pés, o tronco, tudo nele fala, brilha, contagia. Faz uma pequena festa a cada coisa que gosta, e gosta só de estar, a comungar o tempo, a olhar em volta, a descobrir, a perguntar. Ri-se de entusiasmo e tantas vezes!

Ana tem sete anos, é mais séria, mais reflexiva, sorri quando inspira a simpatia. Com os crescidos sonda, observa e só depois se dá, no que a sua verdade trouxer. Na escola corre ao encontro da alegria dos outros, busca o entusiasmo, mistura-se numa emoção mais intensa que passa a ser sua também. Já começa a ter pequenos receios, os comportamentos dos outros já não são todos inesperados, recorda mais e teme esperar pelo que desconforta. É um vai e vem rápido, mas já vem e rouba-lhe pequenos momentos da sua espontaneidade. Mas cada dia é um despertar entusiasmado para ir ao encontro.

Rita tem doze anos, um sorriso mais contido, mas os olhos vivos de querer. Gosta de interagir, mas não mostra tudo de si, dos seus pensamentos, das suas vontades, fica à espera de perceber se se adequa. O corpo já desenvolvido ainda não se contém só pela conversa, precisa de gastar a energia, de dançar, de correr. Já há preocupações, irritações, tristezas para agarrar. Já não chega só a energia dos outros para contagiar, mas ainda assim, esvaziam-se com alguma facilidade dos desconfortos, porque também as alegrias são para agarrar. Agora, é mais fácil ser inteira apenas com os seus pares, e com os mais pequenos a gargalhada sai mais solta e todo o estar é mais livre.

Gonçalo tem dezassete anos, parece ser seguro de si. Gosta de estar bem, de forma serena, de aproveitar os convívios e as saídas. As conversas já surgem mais sérias, sobre o futuro, com umas inquietações subtis que lhe escapam. Por vezes, um pouco mais do que subtis. Não se inibe de estar zangado, como de dar uma forte gargalhada, mas já precisa de razões que as justifiquem, e as pequenas razões (boas e más) não são fáceis de descobrir…

É aqui que começa a desaprendizagem. Precisarmos de razões para a alegria, quando só precisamos de ocasiões. Foram-nos dizendo, nos anos em que crescíamos, “muito riso, pouco siso”, “olha aquele a rir-se como um tolinho”, “aquele é um homem sério”, como sinónimo de confiabilidade. Convenções sociais que se agarram a nós sem darmos conta.

Começamos a temer os maus julgamentos dos outros a nosso respeito, a espontaneidade reservamos apenas para os nossos lugares seguros, pois importa mais a imagem que passamos do que a nossa sinceridade.

Crescer vai significando deixar de estar pleno de atenção ao momento, rouba-nos o passado e o futuro nas suas preocupações. É preciso, e urgente, reaprendermos a estar, sentirmos o que o presente trouxer, atentos às pequenas coisas boas, ao tempo, às conversas, às companhias, aos afetos, às atividades. Estar inteiro. Só assim é que o Pedro, a Ana, a Rita e o Gonçalo terão “razões” para serem alegres quando forem grandes.

A alegria é uma emoção de quem está no momento, um estado leve que se deixa elevar porque o sentir é bom, não o importa o que é bom, importa é não desperdiçar. Este “só porque sim” deve de novo inspirar-nos, sem termos que ser de novo crianças, mas como elas na alegria.