Pais à beira de um ataque de Quarentena

Dra. Marta Calado

Pegue numa casa. Coloque lá dentro um cão, um gato, um pai, uma mãe, um filho ou dois, ou mais ainda, uma avó ou outro qualquer inquilino a gosto. Misture tudo, envolvendo todos os ingredientes. Acondicione tudo muito bem em prisão domiciliária, e tempere com um pouco de liberdade condicional. Deixe a marinar em lume brando.

A receita para o Pânico em Quarentena

Ao fim do 21º dia (desde que foi diagnosticado o 1º caso de COVID-19 em Portugal), eis o preparado à beira de um Ataque de Quarentena.

Abaixo as rotinas fixas, as listas e as tabelas que, de repente, entraram em sua casa sem pedir licença e forçaram um encaixe que nem sempre correu conforme as suas expetativas. Não é caso para menos, afinal de contas, ainda ontem caiu sem paraquedas neste buraco e já sente a pressão do falhanço por não estar a conseguir aplicar o estilo de vida das mães do grupo do WhatsApp, rumo à conquista do troféu da “Mãe mais Exemplar da Quarentena”!

Já pintou o arco-íris do “Vai ficar tudo bem” com os mais pequenos? E o bolo caseiro e apetitoso para o lanche, ficou editável para as fotos de partilha no mundo virtual? E as bolachas, não se esqueça das bolachas também! E as panquecas de pequeno-almoço de hotel.

Pai, mãe: usem este período de isolamento a vosso favor

Relaxe. Nem tudo é tão fluído e organizado nos outros e na casa deles, como a tela que as redes sociais pretende transmitir.

Por esta altura, mais importante do que horários e rigor é definir intenções e objetivos acerca daquilo que é pretendido e deve ser feito, de forma a evitar picos de tensão individuais e coletivos em sua casa, nos membros da sua família, em você mesmo. O que é que é mais importante neste preciso momento? Obrigar a cumprir o horário escolar ou permitir brincar? O que é que verdadeiramente pode acontecer se o seu filho não fizer neste preciso momento a atividade da disciplina? A sua educação ficará comprometida para todo o sempre? Se berrou com ele 345 vezes num só dia, ele vai ficar traumatizado ou elegê-lo como o pior pai do mundo? Vai sentir culpa se fizer uma pausa no trabalho para jogar o jogo?

Estão criadas condições únicas para os mais novos aprenderem a assumir aquilo que é a responsabilidade pessoal pela gestão do seu próprio tempo de estudo, lazer, descanso, interajuda, serem ginastas acrobatas perante imprevistos e adversidades, com a supervisão e orientação parental, até encaixarem naquelas rotinas em que se sentem verdadeiramente ajustados e confortáveis, dentro das circunstâncias únicas da quarentena.

Depois de 8 horas em teletrabalho, sair para desanuviar nunca ficou tão próximo de uma miragem no deserto já que, basta virar para o lado e há uma birra, um conflito entre irmãos, um companheiro que não colabora, mais refeições para fazer e tarefas domésticas que se repetem dia após dia.

Como manter o equilíbrio? Dê colo e peça colo.

Relaxe. Nem tudo é tão fluído e organizado nos outros e na casa deles, como a tela que as redes sociais pretende transmitir.

Pare, respire, tome balanço e só depois avance naquilo que deve ser feito ou dito. E repita esta ação as vezes que achar necessário. Serão dias de adaptação e readapatação, de tentativa e de erro e de muita gestão. Temos mais tempo mas menos disposição e criatividade. Nem sempre temos força, energia e paciência. Peça desculpa quando excede os limites. Dê colo e peça colo. Chore e grite, esperneie, tem esse direito. Não finja, não esconda. Temos tanto para gerir emocionalmente neste momento mas continuamos a forçar padrões de exigência a nós próprios e à nossa família. 

Transforme a pandemia do medo em serenidade e paz

Pai, Mãe, está a fazer o melhor que consegue e nada lhe é exigido ou cobrado, se assim quiser.​

Não precisamos de uma pandemia para aprender a amar e a valorizar. Não precisamos de crucificar países para travar a poluição atmosférica. Dizem-nos que este é um tempo de oportunidades, de reflexão e de crescimento, que já nada será igual. Mas aqueles que não romantizam esta pandemia, e já haviam despertado para dar o devido valor àquilo que é realmente importante, só querem agora evitar o tal cozinhado à beira de um Ataque de Quarentena e manter o equilíbrio mental, a serenidade e a paz. 

Todos nós conhecemos aquelas pessoas que trocavam num piscar de olhos a liberdade de ter tempo, pela liberdade de voltar a ter pressa, para não ter de encarar à força os fantasmas que ganham as suas lutas internas. Sobretudo para estes, de forma a cuidar da sua Saúde Mental, tal como cuidam da higiene das mãos, peçam ajuda psicológica para lidar com esta experiência de medo e a terrível e angustiante Ansiedade de não saber como ficará amanhã a sua vida e a dos seus filhos. Lembre-se, no bom e no mau, na saúde e na doença, você será sempre o maior exemplo para o seu filho.

Todas as crises têm uma data para acabar, apenas continue em frente. Haja Saúde Mental para continuarmos a preferir, quer a vida lá fora com todos os seus defeitos, quer a de cá de dentro, com todas as suas bonitas imperfeições. 

O arco-íris virá. Vamos viver um dia de cada vez, sem olhar muito para o lado.