"Depois de tudo isto passar, permitam-se viver mais intensamente"
Desabafos de uma psicoterapeuta em Quarentena | Dia 18
2020!!!
Estava a correr tudo tão bem! Estava a ser o ano, o momento de concretizar desejos, de traçar e definir novas metas, mas principalmente o ano de saborear os sucessos que tanto me esforcei para os ter!
O que poderia correr mal? Nada! Então vamos lá avançar para a concretização de metas traçadas há já alguns anos! E assim foi… avançámos com as “certezas” que nada poderia falhar! Comprei um apartamento. Assinei a escritura há cerca de duas semanas (vontade de adiar… imensa, mas já não era possível)!
Tudo foi tão diferente do que esperava para este momento… o “Parabéns!”, de algumas pessoas, foi substituído por: “A sério? Não dava mesmo para adiar?”; “Olha que os preços do mercado imobiliário vão baixar!”; Deixa lá, agora já está!”. (Sim, eu sei…!) Mas na realidade, o que mais me custou foi quando entrei pela primeira vez com o meu marido e a minha cadela na casa que agora sim, era nossa, e senti tristeza e incertezas em vez de uma imensa alegria! Nem as mudanças podemos fazer! Neste momento tenho a minha vida em suspenso!
Toda esta situação estava a provocar em mim uma grande frustração, e quantas vezes fui assolada por pensamentos: “Porque é que não esperámos mais uns tempos?!”; “Porquê isto agora?!”. Acrescendo o facto de, neste momento, estar distante fisicamente da minha família e, quem me conhece, sabe bem o quanto a priorizo.Durante alguns dias foi este o meu drama!
E é nestas alturas, que o medo e a incerteza começam a apoderar-se de nós, gerando uma bola de neve que atrai tudo quanto é negativo! Cabe-nos a nós, mudar as lentes dos nossos óculos e deixar de alimentar este ciclo vicioso.
Parei e comecei a pensar em tudo o que estava a acontecer à minha volta. Em todas as perdas humanas, e em todas aquelas pessoas que nem sequer se conseguem despedir dos seus familiares; nos profissionais de saúde que têm que abdicar do aconchego das próprias famílias para salvar vidas; nos idosos que vagueiam sozinhos, com medo, sem nenhum familiar para os amparar; em todas as pessoas que vão perder os seus empregos, etc… E senti-me mal! Mal comigo mesma pelo drama que estava a fazer da minha vida. Por estar apenas focada na compra de uma casa que vai estar vazia à espera da nossa chegada.
A casa é minha e mais tarde ou mais cedo vai ser o meu lar!
O facto de continuar a exercer a minha profissão em teletrabalho, ajudou a mudar o foco. E é isto que neste momento me traz mais calma, tranquilidade e paz. Tentar tornar um pouco mais leve a dor do outro, de quem nos procura, e por sua vez, as minhas incertezas e preocupações também perdem força e mais forte fica a minha esperança!
Trabalhar a partir de casa poderia deixar-me com mais tempo livre para fazer mil e uma coisas que tenho pendentes, a verdade é que sinto-me ainda mais absorvida… mas tudo isto tem um propósito: AJUDAR!
Ajudar quem precisa apenas de desabafar, quem precisa de chorar e partilhar as suas dores, quem não consegue lidar sozinho com a ansiedade, o medo e o desconhecido. E é tão normal isso acontecer, na realidade estamos todos a sentir o mesmo, impotentes perante este inimigo invisível. No entanto, por estarmos todos no mesmo barco e a remar na mesma direção, é que acredito que será mais fácil chegarmos todos juntos, a um porto seguro! Se sozinho não consegues, pede ajuda, estamos aqui para ti!
Depois de tudo isto passar, permitam-se viver mais intensamente e a saborear as pequenas coisas da vida, como beber aquele copo de vinho com aquela pessoa que nos diz tanto, marcar aquele jantar de amigos eternamente adiado, sermos mais afetuosos com quem mais gostamos! Abraçarmos e sorrirmos mais genuinamente para a Vida!
Não guardem estes gestos, palavras e sentimentos para vós… Não! Partilhem-nos! Permitam-se a colecionar momentos e a fazer com que cada dia conte…
Milene Medeiros