Dia Mundial da Criança:
Carta ao Pai e à Mãe

Dra. Marta Calado

Pai, Mãe,

Ouvi dizer na televisão que hoje é o meu dia.

Não percebo bem o que isso significa, mas achei que era uma boa ideia escrever-vos esta carta, porque em casa nunca temos muito tempo para estarmos juntos, apesar de estarmos juntos todos os dias.

Acho que por eu ainda não ser adulto como vocês, às vezes não levam a sério o que eu faço, digo, penso e sinto. Quando vocês tinham a minha idade também se sentiam assim?

Sabes mãe, às vezes chego da escola nervoso ou revoltado e não me sinto verdadeiramente ouvido por ti, os conselhos que me dás com exemplos da tua vida, pouco ou nada têm a ver com aquilo que se passa comigo, mãe. Sinto-me ainda mais sozinho e perdido.

Sabes pai, gostava tanto de te convencer que consigo ser bom como tu, mas sinto que nunca chega, nunca sou suficientemente capaz. Não sou preguiçoso, tenho é muito medo de falhar, mesmo quando me esforcei o máximo que consegui. Sinto-me a sufocar quando me mandas estudar, quando faço os testes e quando a professora entrega as notas. Mas nunca é o momento para prestares atenção àquilo que realmente é importante para mim. Eu nunca sei nada por ser ainda criança. Então porque é que hoje se comemora o meu Dia?

Às vezes precisava só que parassem e olhassem para mim. Com olhos de ver. Com ouvidos de ouvir. Que o vosso coração estivesse ali, naquele bocadinho do dia, aberto só para mim. Gostava de sentir que sou importante para vocês por aquilo que partilho do que aconteceu no meu dia, por aquilo que sou. E espero apenas que me digam “Está tudo bem”, “Vai tudo ficar bem”.

Pai, mãe, sinto a vossa falta.

Eu já sei que estão cansados do trabalho e que a cara que têm é de pouca paciência, porque “a vida custa a ganhar”. Mas não posso dizer que estou triste porque dizem logo que não me devia sentir assim. Afinal tenho as sapatilhas e a roupa que todos querem, um quarto só meu com computador, jogos, um telemóvel e um tablet que se tornaram a minha companhia porque sim… e há tantas crianças a morrer em África que não devo queixar-me.

 Sabem, quando me veem a chorar, não quer dizer que não sou forte e corajoso. Apenas não aguento mais, não sei o que fazer e confio em vocês para me ajudarem. Quando me portei mal na escola, foi porque me senti injustiçado e desvalorizado, não porque sou teimoso e egoísta. Ninguém repara como me sinto invisível. Fiz asneiras para gritar a todos que existo. Mas não fui eu, não tenho culpa. Vocês não têm culpa. Já não sei o que é certo e errado. Está uma confusão na minha mente.

Pai, mãe, será que vocês me conhecem assim tão bem como acham?

Toda a gente fala comigo para dizer o que tenho que fazer: os professores na escola, a explicadora do ATL mas ninguém compreende que para eu ter bons resultados e fazer tudo como pedem não posso sentir-me pressionado e controlado. Preso e bloqueado. Triste e ansioso.

Se fosse eu a mandar, não havia silêncios nem gritos, críticas ou julgamentos, castigos ou pessoas que não me conhecem a educar-me, ordens só porque “eu mando, sou tua mãe e mais velha do que tu”. Se fosse eu a mandar, fazia-vos ver como os abraços se tornaram rápidos, os elogios raros e os beijos apressados na nossa casa.

Pai, Mãe, neste Dia da Criança não vos peço mais prendas para mim.

Peço-vos tempo a sério, nós todos juntos, como quando eu era bem pequeno. A vossa preciosa atenção para me sentir apoiado nas coisas que acontecem comigo.

 Pai, mãe, preciso de ajuda!